sexta-feira, 18 de abril de 2008

ML2J


(Essa é apenas uma contribuição para o ML2J)


1 de julho de 2008, estava tudo pronto. Escadas, latas de spray, martelos e faixas.
Meio dia e os ânimos aflorados. Encontraram-se num restaurante qualquer pra ajeitar os últimos detalhes, comiam nervosos, pernas inquietas e falavam sem parar. Que horas? Onde? Em algum posto da paralela? Certo, meia noite no posto 3. Combinado.
Pontualmente, todos estavam lá se juntando em apenas um carro, uma caminhonete. Acertaram mais alguns detalhes e seguiram. Quase que exatamente as 1 hora da manhã todos chegam ao aeroporto.
Todos prontos? Vamos lá, o primeiro grupo fazia uma roda de capoeira (com muito barulho) dentro do saguão pra chamar as atenções. O segundo? Mão na massa!
Pegaram as escadas com as mãos trêmulas e colocaram a postos, subiram três enquanto duas vigiavam. Marteladas e marteladas destruíam letra por letra. A vontade era tanta que as vezes as próprias mãos arrancavam na unha. D, L, M... já eram quase que identificáveis. Depois de algumas pichações do tipo "nosso aeroporto é 2 de julho" :
- A faixa! Passa a faixa!
Lá estava! "Aeroporto Dois de Julho"
Tudo já estava guardado na caçamba, todos dentro do carro e a capoeira acabou, o carro arrancou e nunca mais viram aquelas pessoas. E no dia 2 de julho de 2008, a cidade acordou diferente.

terça-feira, 8 de abril de 2008

No Buzu.




Mesmo com o sol apino, o sacode pra lá e pra cá, os freios de arrumação e o aperto, minha imaginação ainda consegue ir longe dentro de um ônibus. Consegui arranjar um lugarzinho lá no fundo, o último do canto.
"Ô beleza! Vai dá até pra tirar um cochilo."
Mas senta uma menina na minha frente e começa a ler o jornal e eu na minha curiosidade, não consegui nem fechar o olho. Fui pegando partes de cada notícia, mas a capa mesmo, eu li bem.
"Em 5 horas, três pessoas foram assassinadas no Paralela Park". Lembro também de outro trecho: "Invasões a condomínios".
Agora sim, mesmo quase no meio do caminho, começou a minha viagem sobre a história (trajetória?) do roubo. Começando pelos ladrões de galinhas até os mais ousados de hoje em dia, como por exemplo, um que fingiu ser amigo do meu primo (e que mandou ele também fingir) na porta de uma igreja, e eu ainda cumprimentei-o com dois beijinhos. Fiquei pensando qual seria a nova tática criativa ou petulante que estaria estampada no jornal de amanhã, até que peguei no sono.
Com alguns quebra-molas e mais dois meninos conversando perto de mim, acordei.
- Viu a barreira que morreu na paralela?
- To ligado! Minha mãe me disse, vou ter até que sair do colégio mais cedo se não é barril voltar pra casa tarde.
- Eu não tenho as duas últimas aulas mesmo, é de química e estamos sem professor.
- Ah! Normal... Ano passado também foi assim, ficamos 2 unidades sem professor de química.
- Pois é, ta mal!
Mais uma vez, minha cabeça não parou. O problema dos roubos, seria a talvez falta de professores de química que implica na falta de estudo, que por sua vez atrapalha as oportunidades de empregos e que assim cada vez mais as pessoas não têm como sobreviver e procuram outras saídas, mesmo que ilícitas? E isso tudo seria culpa de quem? Governo? Professores, Educadores? De quem sonega imposto?
Meu ponto chegou.
Se eu não descesse, ficaria ali dando voltas na cidade, assim como meus pensamentos e assim como o problema e a culpa.

sábado, 5 de abril de 2008

O poeta roda bolsinha.

(Ulisses Tavares)

Ei você!, jovem com pretensões literárias, ansioso para publicar seus livros e, com eles, mudar o mundo e mudar de vida.
E ei você!, coroa beletrista, mais que passado da hora de eternizar suas verdades, em prosa ou verso, seus cantos do cisne.
Nos dois lados da ampulheta, tudo isso fiz, faço e farei. E hoje, escritor profissional, posso dizer com todas as letras, literalmente, que esse sonho, o de viver apenas do que se ganha como autor no Brasil belga e indiano é uma roubada. Deliciosa, heróica e furada canoa.
Em qualquer idade ou ritmo de produção, trabalha-se muito e ganha-se pouco. Numa rápida contabilidade, dou a seguir alguns números do padrão Livros Vendidos = Poder de Consumo. Ganha-se 10% do preço de capa, lembrem-se.
Portanto, para um café com pão na padaria da esquina, tenho de vender 3 livros. Para 1 quilo de feijão, idem. Para um almoço com refrigerante Dolly, 6 livros.
Ir ao cinema com a paquera, 22 livros. Somando a pipocona estilo americano, 28.
Para comprar um carro popular usado, 13.000 livros. Viagem a Paris, 15.000 livros numa trip de mochileiro.
Precisaria existir uma Bolsa Escritor pra aliviar a barra? Não sei. Precisamos é de mais leitores, não de mais escrevinhadores. Por isso existem tão poucos escritores e poetas profissionais tupiniquins. A grande maioria, que não é louca nem estóica como eu, amarra seu burrico num carguinho do governo e deixa a literatura como um luxuoso e supérfluo hobby.
Se bem que vender a alma ao diabo do sistema e à deusa da literatura raramente produz um Carlos Drummondd de Andrade. A maioria escreve e publica só por vaidade mesmo. Mas o excluído do capitalismo aqui continua rodando bolsinha, mas não abre. Chato é que aquilo que uma garota de programas de um Bahamas ou bordel top ganha em uma hora eu só ganho se vender quinhentos livros!
É soda.



- Ulisses Tavares vive só com o que ganha escrevendo. Por isso vive mal. Coisa de poeta.


(Revista Caros Amigos, março 2008)