sábado, 5 de abril de 2008

O poeta roda bolsinha.

(Ulisses Tavares)

Ei você!, jovem com pretensões literárias, ansioso para publicar seus livros e, com eles, mudar o mundo e mudar de vida.
E ei você!, coroa beletrista, mais que passado da hora de eternizar suas verdades, em prosa ou verso, seus cantos do cisne.
Nos dois lados da ampulheta, tudo isso fiz, faço e farei. E hoje, escritor profissional, posso dizer com todas as letras, literalmente, que esse sonho, o de viver apenas do que se ganha como autor no Brasil belga e indiano é uma roubada. Deliciosa, heróica e furada canoa.
Em qualquer idade ou ritmo de produção, trabalha-se muito e ganha-se pouco. Numa rápida contabilidade, dou a seguir alguns números do padrão Livros Vendidos = Poder de Consumo. Ganha-se 10% do preço de capa, lembrem-se.
Portanto, para um café com pão na padaria da esquina, tenho de vender 3 livros. Para 1 quilo de feijão, idem. Para um almoço com refrigerante Dolly, 6 livros.
Ir ao cinema com a paquera, 22 livros. Somando a pipocona estilo americano, 28.
Para comprar um carro popular usado, 13.000 livros. Viagem a Paris, 15.000 livros numa trip de mochileiro.
Precisaria existir uma Bolsa Escritor pra aliviar a barra? Não sei. Precisamos é de mais leitores, não de mais escrevinhadores. Por isso existem tão poucos escritores e poetas profissionais tupiniquins. A grande maioria, que não é louca nem estóica como eu, amarra seu burrico num carguinho do governo e deixa a literatura como um luxuoso e supérfluo hobby.
Se bem que vender a alma ao diabo do sistema e à deusa da literatura raramente produz um Carlos Drummondd de Andrade. A maioria escreve e publica só por vaidade mesmo. Mas o excluído do capitalismo aqui continua rodando bolsinha, mas não abre. Chato é que aquilo que uma garota de programas de um Bahamas ou bordel top ganha em uma hora eu só ganho se vender quinhentos livros!
É soda.



- Ulisses Tavares vive só com o que ganha escrevendo. Por isso vive mal. Coisa de poeta.


(Revista Caros Amigos, março 2008)

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